Depois de tantos anos nessa vidinha de carrovelhista, aprendi a ficar frio ante dissabores, incidentes e cambalachos. É um atrás do outro, então, não adianta se desesperar. O cheiro de queimado ainda estava no ar, as paredes pretas de fuligem, a lama não tinha sido totalmente removida. O morto estava lá, calcinado, o Monza do outro mecânico, o animal que foi soldar perto do tanque de gasolina. Ainda tentou apagar o fogo com água, o que fez a gasolina, mais leve, flutuar e pegar carona na água, se alastrando por onde escorreu.
A 2300, no mesmo lugar, bronzeada só de um lado, até que ficou com uma cor legal. Não fotografei porque achei que não combinava com o mau momento que o sujeito enfrentava, com sua oficina toda revirada. Quando perguntei se tinha seguro, bateu no peito e disse que o seguro era ele. Fiquei mais com pena que preocupado com o carro, eis que, tirando a sapecada, teve apenas o repetidor do pisca esquerdo derretido. Voltei para casa pensando em como sairia de mais aquele aperto numa época de dinheiro curto.
Na segunda-feira, telefonei propondo pagar os custos com tinta e demais insumos para repintar somente o lado do motorista. Ressaltei que estava sem dinheiro e que pintasse somente o que havia sido danificado pelo fogo. Fiquei umas três semanas sem pressionar e, quando voltei, uma grata surpresa: o carro estava sem os vidros, branquinho, todo repintado. Consegui parir os mil reais do material e dei-lhe o meu melhor laptop pela mão-de-obra. A inabilidade para consertar o freio, reparos que eu pagava e nunca ficavam bons e o consumo de 2,5 Km/l de gasolina, aferido quando tirava o carro da oficina, fizeram-me trocar por outra, a cem metros dali.